Outubro Rosa e Novembro Azul, dois meses em que somos bombardeades com informações para estimular a prevenção de câncer de mama e de próstata respectivamente, certo? Não exatamente…
O Coletivo Feminista mantém uma postura critica a respeito dessas datas. Vamos entender a razão?
Primeiramente precisamos entender que há várias formas de prevenção
Prevenção Primária: Atua para reduzir ou eliminar fatores que aumentam o risco de determinadas doenças, ou seja, tudo que fazemos para evitar que a doença ocorra, como por exemplo: evitar cigarro, ter uma dieta balanceada, diminuir o consumo de álcool, praticar atividade física, manter a vacinação em dia, entre outras…
Prevenção Secundária: Atua para identificar uma doença precocemente, a ideia é detectar a doença que já se desenvolveu mas ainda não apresentou sintomas. Uma forma conhecida é o famoso “check-up” que vemos por aí, com a prática de efetuar exames periódicos em pessoas saudáveis em busca de uma determinada doença.
Os meses coloridos
Os “meses coloridos” têm um foco majoritário na prevenção secundária, o que já de entrada implica em um aumento no consumo de exames. Existem vários problemas nisso. Primeiro é que não se discutem as medidas de prevenção primária, que são as mais eficazes para o combate às doenças. Para câncer de mama, evitar álcool (sim, álcool é fator de risco para câncer de mama), realizar atividade física e estimular a amamentação nas pessoas que assim o desejam; para câncer de intestino, comer mais fibras e menos carne; para câncer de pulmão, parar de fumar e assim por diante. Além disso, sabemos que empresas se aproveitam dos meses coloridos “da saúde” para se promoverem e aumentam as vendas de seus produtos, mas não repassam esses valores para nenhum órgão preocupado com a saúde. Ou seja, os meses coloridos são usados para estimular empresas a terem lucro e propagar uma cultura equivocada dos check-ups.
Mais é sempre melhor?
No Brasil, vivemos ainda um paradoxo que é: falta de acesso a exames básicos para uma grande parte da população que depende do SUS e excesso de exames para uma porcentagem pequena que usa o sistema particular.
Dentro da lógica da saúde como bem de consumo, muitos poderiam pensar que a pessoa que usa o sistema particular está em vantagem. Porém, isso não é verdade. Estudos mostram os malefícios dos excessos de exames, biópsias, investigações e uso de remédios sem necessidade. O que produzimos, no final, é uma população que se sente doente sem estar doente; pessoas que acham que têm um problema até que os exames lhe provem o contrário e um deslocamento do cuidado em saúde que antes estava na pessoa, em sua consulta (anamnese e exame físico), nas suas boas práticas de vida (se sentir bem, ter boas relações, fazer exercícios e comer bem) e nos determinantes sociais de sua saúde (acesso à educação, segurança, água limpa e esgoto) para um cuidado que está somente centrado nos exames complementares, que são, além de excessivos, falhos e podem ter resultados falso positivos e falso negativos.
Prevenção quaternária: quando menos é mais
A prevenção quaternária é a prática que pode nos ajudar a ter um olhar mais crítico e reconhecer quem está sob risco dessa más práticas em saúde. Trata-se de um conceito inventado por um médico de família belga, consistindo em uma forma de prevenção que visa nos salvar da medicina quando ela é excessiva e produz mais dano que benefício.
Os efeitos das intervenções desnecessárias são muitos: mulheres mutiladas em suas mamas e todas as repercussões para a sexualidade e a vida em geral, excesso de medicações e tratamentos desnecessários (entre eles quimioterapia e radioterapia), impactos psicológicos e emocionais pelo diagnóstico falso positivo (mesmo depois que o resultado é esclarecido, muitas pessoas ficam profundamente afetadas), disfunção sexual nos homens, cirurgias e biópsias desnecessárias, incontinência urinária, entre outros.
É importante reforçar que podem ser muitas as intervenções que sofremos depois de um resultado positivo e ainda que seja um falso positivo, a necessidade de novos exames mais específicos, como uma biópsia por exemplo, já é algo bastante invasivo. Outras vezes descobrimos uma doença de fato, mas que teria um comportamento tão lento que não chegaríamos sequer a descobrir ou a morrer por conta dela. Claro que existem os cânceres agressivos e moderadamente agressivos e esses valem a pena serem descobertos, mas, como tudo na vida, ao fazer um exame de check-up e descobrir um resultado positivo, não sabemos se o que descobrimos precisaria ou não ser descoberto: estamos tirando no palitinho.
A reflexão em cima de tudo isso é a seguinte: conversem com seus cuidadores (médicos, médicas, enfermeiros, enfermeiras, obstetrizes e outres), para que eles ajudem a decidir qual o melhor caminho. Precisamos de informações e a decisão precisa ser compartilhada. Receber apenas um receituário com vários exames solicitados não é cuidado em saúde.
Existem alguns protocolos com recomendações específicas para cada pessoa, faixa etária e risco familiar. Normalmente os protocolos do ministério da saúde tem boas recomendações.
E afinal, sobre o que deveríamos estar conversando nos “meses coloridos”?
Segue aqui uma lista de assuntos que precisamos discutir quando falamos de prevenção de doenças:
Esperamos contribuir para o entendimento de que, “entre o rosa e o azul” existe um universo de medidas e ações que vão muito além da mamografia, toque retal e PSA.
Quer saber mais? Indicamos esses dois textos: