Quando tratamos da saúde e da transmissão de ISTs entre mulheres lésbicas e bissexuais precisamos levar em consideração a sociedade em que estamos inseridas. Por muito tempo, e infelizmente até hoje, em grande parte dos serviços essas mulheres são invisibilizadas e tratadas presumivelmente como heterossexuais – por preconceito, por despreparo e por desconhecimento de abordagens centradas na pessoa. Muitas vezes a abordagem que se tem na saúde sexual de mulheres que transam com mulheres ora é de invisibilizar esse sexo, ora é de controle do corpo e da prática de forma irreal e impensável, recomendando uso de adaptações de métodos penianos ou existentes para outro fim – como uso de luva ou dedeiras para masturbação. Os poucos estudos sobre isso apontam que uma minoria utiliza esses dispositivos, assunto também pouco ou nem discutido no sexo heterossexual ou entre dois homens.
A transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) existe, mas precisa de mais pesquisas para dados mais acurados. Sabe-se que a transmissão de HIV, hepatite B e C é baixa, próxima de zero, porém clamídia, sífilis, gonorréia, dentre outras são facilmente transmissíveis e podem ocorrer do contato de pele e mucosas, troca de sangue e fluidos e compartilhamento de acessórios, como dildos. Sabemos que realizar exames de sorologia para ISTs e evitar práticas sexuais quando houver lesões ou cortes na pele são algumas recomendações. Mas para acessar essa discussão o profissional precisa ser acolhedor, sem julgamento, com boa escuta e fazer uma conversa sincera sobre evidências científicas e práticas possíveis.
Sexo entre mulheres é sexo e por muito tempo foi considerado algo menor, uma brincadeira, uma fase, como se o sexo para existir necessitasse da penetração de um pênis. Hoje não é mais assim, mas ainda muitos serviços de saúde consideram que mulheres que nunca transaram com homens são virgens. Dessa forma, uma mulher que transa com mulheres pode ser negligenciada em sua saúde ou, por se sentir julgada, não desejar retornar ao serviço. Isso diminui a chance de ter um atendimento adequado e de coletar um papanicolau, por exemplo, exame que deve ser colhido geralmente de 3 em 3 anos e é importante no rastreamento de câncer de colo de útero em mulheres que já foram ou são sexualmente ativas.
A rede nacional feminista de saúde, direitos sexuais e direitos reprodutivos produziu o Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas – promoção da equidade e da integralidade, que traz a necessidade e direito da mulher lésbica à saúde a partir das singularidades de suas demandas. Para que isso seja alcançado precisamos discutir como superar o modelo do atendimento ginecológico tradicional e construir uma consulta que devolva à mulher o controle pelo próprio corpo independente de orientação sexual, identidade de gênero, raça, classe social ou escolaridade. Incentivar o autoconhecimento, autonomia e empoderamento são essenciais para isso. Precisamos expandir o conceito de saúde para além da sexualidade e da ginecologia, acolher demandas de saúde mental, de enfrentamento de preconceito e estigmatização e realizar um cuidado mais integral.
Barbosa, RM.et al. Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas: Promoção da Equidade e da Integralidade. Rede Feminista de Saúde, 2006.