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Novembro Azul, o medo do toque retal e o excesso de exames.

O Novembro Azul foi criado em 2003 na Austrália, com o trocadilho Movember – a junção das palavras mo, gíria para moustache (bigode, em inglês) e november (novembro). Como em Outubro Rosa, mês da conscientização do câncer de mama, o objetivo do Movember era conscientizar os homens sobre o combate ao câncer de próstata e testicular, bem como sobre questões relacionadas à saúde mental e ao suicídio entre homens. Trata-se de um esforço em romper com o preconceito em torno do exame de toque retal, utilizado para diagnosticar o câncer de próstata, e estimular os homens a procurarem ajuda médica quando necessário e de forma preventiva.

No Brasil e em muitos outros países, os tumores malignos de próstata são o tipo de câncer de maior incidência entre homens (depois dos tumores de pele não melanoma), mas não são responsáveis pela maior mortalidade por câncer. Quanto mais idade, maior a chance de ter câncer de próstata: alguns estudos estimam que quase 100% dos homens com 100 anos o terão, e nem por isso morrerão de câncer de próstata. Isto é, ter câncer de próstata é frequente, morrer de câncer de próstata não é. Chamamos de “sobrediagnóstico” diagnosticar uma doença que não levará à morte em uma pessoa sem sintomas, e é isso que acontece em muitos casos de câncer de próstata.

Apesar de sua importância no que toca a transformação de determinados comportamentos entre homens, algumas das pautas do Novembro Azul não são consenso entre a comunidade médica. Para algumas entidades, como a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), não há evidências científicas que justifiquem a realização de exames de rastreamento para o diagnóstico de câncer de próstata. Ao se rastrear esse tipo de tumor aumenta-se o risco de sobrediagnóstico, de intervenções desnecessárias e de complicações como incontinência urinária e disfunção erétil, além de não diminuir o número de mortes por câncer de próstata.

Além disso, precisamos falar das complicações da cirurgia de retirada da próstata, como incontinência urinária e disfunção erétil (incapacidade de manter ereção peniana), que afetam cerca de 20% dos pacientes que sofrem essa intervenção. Nesse contexto, a ansiedade de um diagnóstico de câncer se torna presente e gera medos no processo de tratamento e expectativas sobre as chances de cura.

Mas o que é a próstata e como funciona a prevenção e detecção desse câncer?

A próstata é uma glândula abaixo da bexiga das pessoas com pênis, que dá passagem à urina e ao sêmen. Pode ser palpada e estimulada através do toque retal em direção à parede anterior do reto. Trata-se de uma região cercada por tabus no que toca a masculinidade, principalmente quando a questão é explorar e ter prazer a partir dela. Quando o assunto é saúde, é preciso entender que existem alguns meios de se examinar a próstata: o exame do toque retal (inserir delicadamente um dedo no ânus para palpar a glândula), o exame de sangue – o famoso PSA (de Prostate Specific Antigen), o ultrassom transretal e a biópsia de próstata. Estes dois últimos exames são feitos quando há uma suspeição maior de câncer, pois são mais invasivos.

A proposta de rastreamento de câncer de próstata é constituída pelo exame de toque retal e de sangue anualmente, dos 50 anos aos 74 anos, para detectar tumores precocemente. Quando a pessoa apresenta um risco aumentado para câncer de próstata (por exemplo, por risco familiar) a indicação é de iniciar a partir dos 45 anos. Muitos homens solicitam aos seus médicos apenas o exame de sangue, acreditando que assim evitam o temido exame de toque retal e diminuem o risco de ter câncer de próstata. Como discutimos no texto sobre câncer de mama, os exames de rastreamento servem para encontrar câncer em uma população sem sintomas e tem o objetivo de aumentar o tempo de vida com o tratamento adequado. Isto é, um exame de rastreamento serve para encontrar um tumor que já estava lá no momento do exame, e não para prevenir que ele exista. Logo, os exames de próstatas não previnem câncer de próstata. Para que um exame de rastreamento seja bem sucedido, ele precisa ser muito preciso para não errar. Mesmo bons exames têm uma taxa de erro, como por exemplo quando se identifica uma imagem suspeita de câncer e a pessoa na verdade não possui a doença. Quando isso ocorre, chamamos de “falso-positivo”.

Sabemos que se rastrearmos 1.000 pessoas com próstata com mais de 50 anos anualmente por 11 anos, através do exame de toque retal e PSA teremos: 

Como se prevenir então?

Conhecer os fatores de risco é importante: idade maior que 65 anos, obesidade, pele negra, exposição a substâncias químicas (aminas aromáticas, arsênio, petróleo, fuligem e dioxina) e história familiar positiva são os mais conhecidos e estudados. Mas entre os fatores que é possível mitigar se destaca a obesidade e a exposição a substâncias químicas. Por isso, é importante realizar exercícios físicos periodicamente e estar atento aos próprios hábitos de consumo, sejam eles alimentares, de higiene pessoal ou limpeza, por exemplo.

Os sinais de alarme para procurar uma consulta são: dificuldade para urinar, diminuição no jato da urina, necessidade de urinar mais vezes ao dia ou à noite (aumento da frequência) e sangue na urina. Esses sintomas na maioria das vezes não serão câncer, mas devem ser avaliados. Poderão ser uma condição chamada Hiperplasia Prostática Benigna, que necessita de acompanhamento.

O exame da próstata como forma de trazer homens que não frequentam consultórios médicos para exames regulares em comparação ao check up com mamografia e papanicolau é um erro. Ao observarmos a maneira como os saberes médicos operaram historicamente sobre os corpos das mulheres, de maneira invasiva e controladora, poderíamos pensar que a maneira de prescrição de exames em demasia e a “supermedicalização” poderiam resultar em uma outra forma de controle e reinado lucrativo da medicina e da indústria farmacêutica sobre os corpos, desta vez daqueles com pênis e próstata, assim reduzidos.

São mais comuns que mortes por câncer de próstata as mortes de causas cardíacas e pulmonares (infarto, AVC e câncer de pulmão), violentas (por arma de fogo e/ou em brigas, por exemplo) e em acidentes de trânsito. A relação destas com racismo, homofobia e transfobia são também significativas em número, mas geralmente não fazem parte das discussões de Novembro Azul.

Outra dimensão ainda pouco explorada é aquela que foca a saúde mental dos homens. Precisamos discutir porque, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), homens se suicidam 4 vezes mais que mulheres e são os maiores entre aqueles com dependência de álcool e outras drogas.

A próstata e o ânus podem ser explorados, com os devidos cuidados. Exames de infecções sexualmente transmissíveis e uso de camisinha devem ser estimulados. O preço da masculinidade associada a ereção, penetração e heteronormatividade reduz a potência que nossos corpos diversos têm.

O termo masculinidade tóxica tem sido utilizado para discutir os efeitos nocivos da socialização dos homens e sobre os comportamentos que derivam desse aprendizado das masculinidades. No texto do nosso blog “Masculinidade Tóxica: o que há para além dela?” discutimos o termo “tóxico” e suas limitações.

Acreditamos que discutir masculinidades significa nos interrogarmos sobre os modelos de masculinidade que adoecem e isolam os homens ao mesmo tempo em que violentam e subordinam as mulheres. Para isso, é fundamental que os homens falem e elaborem sobre seus processos de socialização, desconstruindo hábitos e perspectivas naturalizados pela sociedade. Para pensar em saúde dos homens, é preciso pensar nas dimensões sociais de seu adoecimento e nas relações entre os usos e sintomas da mente e do corpo. Transformar a experiência de homens e meninos no mundo significa reelaborar a paternidade, a participação nos trabalhos reprodutivos (domésticos e do cuidado), a sexualidade, o afeto, entre outras dimensões da vida que são sempre informadas não só por gênero, mas também por raça, classe, nacionalidade etc.

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