Acabo de voltar da rua. Tive que ir até o mecânico para resolver uns problemas do carro para poder ter ele a mão caso necessite nos próximos dias. Daí, fui no Seu Mário, mecânico simpaticão aqui do bairro. Ele é desses que agrega bastante gente, então na uma hora e meia em que estive lá passaram uns cinco moradores, todos homens. Resumo o que ouvi durante esse tempo:
“Esse corona não é assim tão grave”
“Tem um conluio aí pra vender álcool gel mais caro”
“Brasil não é os EUA, aqui não vai faltar comida nunca”
Em todos eles, sem exceção, o tom foi de não dar tanta importância à situação que estamos vivendo. E também com um acento meio de galhofa por detrás de cada comentário. Uma única pessoa falou que a coisa tava cada vez mais grave, que iam paralisar os ônibus, que tem visto notícias dos hospitais pela cidade. Ela foi a responsável por comprar o álcool em gel que eu vi no escritório da mecânica. Era Joana, a esposa do Seu Mário.
Uma outra situação aconteceu comigo e também ouvi relatos similares de mais de um conhecido: o pai teimoso relutando em tomar as precauções necessárias, como entrar em isolamento, cuidar melhor da higiene pessoal etc. E, do outro lado, a mãe acompanhando tudo, cuidando de si, dos filhos e dos netos, e tendo que lidar com o companheiro fazendo pouco e ainda teimando em aceitar o que está acontecendo.
Sei que não estou falando de uma regra absoluta. Há muitos homens e mulheres distintos, e generalizar é sempre complicado. Mas o que eu vi nestes dois exemplos acima é algo que falamos bastante quando discutimos masculinidades e machismo: os lugares muito demarcados na forma de pensar, sentir e agir diante do mundo. Neste momento de pandemia, isso pode significar uma sobrecarga ainda maior para as mulheres, com consequências realmente muito adversas para todos.
Homens que entenderam que a situação é grave e que é preciso somar esforços e cuidados: prestem atenção nos camaradas e vejam se eles estão ligados nisso também. Nosso costume de brincar, descontrair e saber dar uma necessária avoada do real, que por vezes nos parece meio enfadonho, precisa ser muito bem dosado nesse momento. Tem um dado no modo de criação/educação machista muito presente nesse jeito de “não ligar” para as coisas e desafiar o que está colocado. Pelo bem de todo mundo, tratemos de prestar atenção nisso e dividir os cuidados necessários para que passemos juntos por esse momento delicado. Cuidar de si é também cuidar do outro e cuidar do outro é também cuidar de si.
Psicólogo e colaborador da ONG Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, atuando no Núcleo de Masculinidades (NUM). É pós-doutorando em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), pós-doutor em Psicologia da Descolonização pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ministra cursos livres e palestras sobre temas relacionados à descolonização e é membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP).