Hormonização de homens trans.

Durante o mês de maio, celebramos duas datas muito importantes: o Dia Nacional do Orgulho Trans e Travesti (15/05) e o Dia Internacional contra a LGBTIA+fobia (17/05). Essas datas são fundamentais para reafirmarmos o compromisso com a luta por direitos, visibilidade e dignidade para pessoas trans, travestis e toda a população LGBTIA+. Mais do que comemorar, elas nos lembram da urgência em garantir o acesso a políticas públicas de saúde, educação e segurança.

Um dos caminhos potentes para a garantia de direitos é por meio da educação em saúde. Tornar acessíveis informações acolhedoras e baseadas em evidências sobre a saúde de pessoas LGBTIA+ é um passo essencial para combater os estigmas e as violências ainda tão presentes nos serviços de saúde e na sociedade em geral. 

Hoje, aqui no blog do Coletivo, Marcello Lucena, médico de família e comunidade, responde algumas perguntas e traz informações importantes sobre o processo de hormonização de homens trans e pessoas transmasculinas

A hormonização é uma das possibilidades dentro do processo de afirmação de gênero, e, quando feita com acompanhamento adequado, pode contribuir significativamente para o bem-estar e qualidade de vida de quem escolhe esse caminho. Você sabe como funciona?

Quais são os hormônios utilizados na hormonização?
A hormonização de homens trans e pessoas transmasculinas é realizada com uso exclusivo de testosterona, que pode ser injetável, intramuscular, ou aplicada na pele, no caso de apresentações de uso tópico, como por exemplo, o gel.

⁠O que acontece com a menstruação de homens trans e pessoas transmasculinas que fazem hormonização com testosterona?

A menstruação tende a ser interrompida em até 6 meses do início da hormonização. Essa interrupção, contudo, não acontece para todas as pessoas e depende, também, da dose de testosterona utilizada. Via de regra, caso não haja a interrupção da menstruação após 6 meses de uso, é interessante dialogar com a pessoa profissional de saúde que realiza o acompanhamento da hormonização. É importante lembrar que a interrupção da menstruação não significa impossibilidade de gestação. Por isso, é relevante que sejam discutidas práticas sexuais, o desejo ou não de gestar, bem como métodos contraceptivos que mais se adaptem à pessoa, se for o caso.  

Homens trans e pessoas transmasculinas que hormonizam com testosterona têm climatério e entram na menopausa?

Sim e não. O uso da testosterona faz com que o cérebro (hipotálamo e hipófise) pare de estimular os ovários (através dos hormônios FSH e LH) para a produção de estradiol e progesterona, o que pode simular uma “menopausa”, inclusive com sintomas típicos do climatério, principalmente no início da hormonização. Contudo, o uso contínuo da testosterona mantém esse hormônio esteroide circulando em níveis mais altos do que acontece no climatério, diferenciando esses dois processos, apesar de em ambos, habitualmente, não haver menstruação. Ao mesmo tempo, homens trans e pessoas transmasculinas podem optar por interromper a hormonização por motivos diversos, o que pode ou não ocasionar o retorno dos ciclos menstruais, a depender se a pessoa está no período de climatério conforme sua idade.

Existe aumento de risco à saúde pela hormonização?

Qualquer medicamento, substância ou, no caso, hormônio pode ter efeitos indesejados. A testosterona pode causar aumento da oleosidade da pele, acne, ressecamento vaginal, calvície, que na maioria das vezes não são desejados. Além disso, o uso de doses inadequadas e sem acompanhamento em saúde pode aumentar o risco de eventos cardiovasculares, como trombose, infarto ou acidente vascular encefálico (derrame).  

Homens trans e pessoas transmasculinas que fazem hormonização podem engravidar?

Sim, a testosterona, apesar de reduzir a chance de gravidez, não é um contraceptivo. Se a pessoa que usa testosterona não quer engravidar e tem práticas sexuais que possam resultar em gestação, é recomendável que se utilize métodos contraceptivos. O fato de realizar hormonização com testosterona não contraindica nenhum método contraceptivo. Porém, alguns efeitos dos métodos hormonais que utilizam estradiol, como turgência mamária ou manutenção do fluxo menstrual, devem ser considerados e informados para que a pessoa possa escolher o método que lhe seja mais adequado. 

Referências

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OKANO, Sérgio Henrique Pires; BRAGA, Giordana Campos; VIEIRA, Carolina Sales. Cuidados reprodutivos para a pessoa transgênero do planejamento gestacional ao puerpério: uma revisão narrativa. Femina, p. 250-256, 2023.

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